A adestradora Claudia Estanislau me concedeu uma entrevista, e desde já agradeço por ter prontamente respondido às minhas perguntas, e de maneira tão completa.
Cláudia Pereira Estanislau (31), é da cidade de Faro, em Portugal, onde vive com seus animais:
Tó SRD 7 anos, Matilde SRD 5 anos, Ruppert SBT 1 ano e meio, Safira Pitbull 3 anos, Joel Border Collie 3 meses, Jaime gato 1 ano, Sofia gata 5 meses.
Em 2005 Cláudia foi para o Canada para um curso de formação de treinadores com a duração de 3 meses com Ben Kersen and the Wonderdogs. Neste curso a Cláudia aprendeu técnicas de treino e resolução de problemas comportamentais caninos, deu aulas de treino de grupo e individuais. Ao terminar o curso voltou a Inglaterra e matriculou-se no instituto CASI, presidido pelo Dr. James O’Heare, no Diploma DTBC (Dog Training and Behaviour Consulting) continuando assim a sua formação.
Em 2006 nasce então a empresa It’s All About Dogs que tem vindo a ter um grande desenvolvimento em Inglaterra. A par com o trabalho desenvolvido com RSPCA onde a Cláudia se tornou Especialista em Avaliação Canina e responsável máxima pelo Apoio ao Adoptante a empresa ganhou reputação de um grande apoio quer a nível de treino básico mas acima de tudo na resolução de problemas comportamentais de cães de companhia.
Sendo membro activo da APDT, da AABP (Association of Animal Behaviour Professionals) e Directora Nacional para a IPDTA (International Positive Dog Training Association), os métodos de treino e aplicação de técnicas de resolução comportamental baseiam-se na ciência da aprendizagem e em conceitos de condicionamento clássico e operante sem uso de força física ou aversivos.
Desde a formação da empresa Cláudia tem vindo a desenvolver um trabalho extenso para preencher uma lacuna de informação que existe em Portugal em diversos temas relacionados com o mundo dos cães. Foi oradora num seminário em Vila Verde e em Beja, escreve artigos para a Associação Pelos Animais e é colaboradora oficial para a Revista Cães e Companhia, onde publica mensalmente um artigo. Criou vários websites de informação e apoio, nomeadamente: http://www.caocomonos.com/, caosciencia.blogspot.com e http://chamaram-mesafira.blogspot.com/.
Após este “breve” histórico e currículo, vamos à entrevista:
1. Por que você decidiu ser adestradora? Há quanto tempo trabalha com isso?
Decidi perseguir a carreira de treinadora de cães, após ter trabalhado como voluntária na Battersea Dog’s Home, a maior associação de recolha de cães abandonados de Londres. Ali eles davam-nos formação,. Inclusive alguns cursos em comunicação canina. Durante esses cursos descobri que existe formação para esta profissão e foi aí que decidi procurar onde obtê-la e decidi tornar-me treinadora. Isto foi em 2004 portanto estou a trabalhar desde essa altura.
2. Você já trabalhou com outros animais além de cães?
A nível de treino só com gatos, mas adoraria trabalhar com papagaios cinzentos.
3. Os cães tem um limite de aprendizagem? Quantos comandos eles podem aprender?
Acho que os cães não têm limites senão aqueles impostos pela nossa imaginação e pelas capacidades físicas do animal. De resto um cão pode aprender inúmeros comandos, tudo depende dos “professores” mais do que dos “alunos”.
4. O adestramento de cães é algo confiável? É possível confiar em um cão de guarda, por exemplo?
Eu pessoalmente não treino cães de guarda. Eu julgo que um cão não deverá ser usado como uma arma. Se alguém procura uma forma de tornar a sua casa mais segura, deveria depender mais de sistemas de alarmes do que de cães. Dito isto os cães tornam-se ótimos “defensores” da sua casa, porque por natureza têm tendência a ladrar para avisar quando alguém estranho se aproxima ou entra em casa. Se procura um cão para fazer esse tipo de trabalho, qualquer um serve, e eu própria permito que os meus cães ladrem duas ou três vezes quando estranhos se aproximam.
5. Quais são as áreas que existem para a profissão de adestrador? Em qual você atua e prefere?
Um treinador pode expandir a sua profissão para desportos tais como, obediência, agilidade, flyball, freestyle ou áreas como o treino de assistência a cegos ou surdos, treino de assistência a pessoas com deficiências físicas, detecção de bombas, detecção de ataques de epilepsia, etc...
O meu desporto favorito é o freestyle, também conhecido por dançar com os cães, e a minhas áreas de trabalho favoritas prendem-se com cães de assistência e detecção de epilepsia.
Dentro do comportamento canino muitas áreas se apresentam, desde agressão, a comportamentos obsessivo compulsivos, a nutrição etc.. A minha favorita é a exploração e resolução de casos de agressão.
6. Você utiliza o método Clicker? Qual sua opinião a respeito?
O método do clicker é uma forma positiva de treinar e obter os melhores resultados no treino dos cães. No início quando tirei o meu primeiro curso de treinadora no Canadá, fui emergida nos métodos de treino tradicionais e trabalhei durante algum tempo com coleiras estranguladoras, os conceitos de cães alpha e liderança e muitas outras técnicas que considero coercivas. No entanto eu não só não me sentia bem no meu relacionamento com os cães, como os resultados apresentavam muitas consequências. Vi muitos cães tornarem-se agressivos, e nunca vi nenhum cão agressivo realmente recuperado com nenhum dos métodos tradicionais.
Nessa altura considerei deixar a profissão porque não se adaptava à minha maneira de ser, eu gosto de brincar e divertir-me com os cães e não estar constantemente preocupada com não poder dar mimo ou atenção a mais, e sempre pronta para castigá-los se se “portassem mal”.
Felizmente encontrei o método do clicker e decidi tentar, desde esse dia nunca mais olhei para trás. Conseguia obter melhores resultados, sem consequências a nível do comportamento dos cães e sempre divertindo-me e passando um bom tempo com os cães com os quais lidava. O método de clicker permite que o cão seja treinado por crianças assim como idosos e a cumplicidade que nasce entre os donos e os cães é algo que até hoje me fascina.
7. Com a prática do adestramento através do método negativo, muitas pessoas pensam que adestramento é sinônimo de violência para com o animal. Ainda existe este preconceito para com o adestramento de cães?
Infelizmente sim. Precisamente porque os métodos de treino positivo são relativamente recentes – falamos de cerca de 30 a 40 anos. E os métodos de treino aversivos ou tradicionais que aplicam técnicas coercivas e baseadas em castigos físicos e mentais com os cães, já têm uma longa história de mais de 60 anos. Claro que quando algo novo surge leva o seu tempo a infiltrar-se na sociedade e a tomar pulso na população em geral, no entanto, a velocidade a qual o treino positivo está a ter na sua difusão é extraordinária, dizendo-nos que é apenas uma questão de tempo até que ninguém aceite treinar os seus companheiros de 4 patas de uma forma coerciva.
Cada vez mais vemos treinadores positivos a ganharem terreno nos variados desportos e actividades e também cada vez mais vemos os donos de cães a procurarem métodos menos invasivos para ensinar os seus cães. Os cães cada vez mais formam parte da nossa família e são vistos como um amigo e como tal cada vez menos pessoas estão dispostas a tratar os seus amigos de uma forma não só violenta mas eticamente reprovável.
8. Na sua opinião, quais são os mitos que mais atrapalham a convivência entre os cães e donos?
Sem dúvida o mito de que os cães nos veêm como parte de uma matilha, o conceito de que temos que ser alpha e dominar os nossos cães.
Este mito é um que perdura e infelizmente faz com que muitas pessoas tenham relacionamentos confrontacionais com os seus cães, e desperdicem tempo valioso a castigar e suspeitar dos seus cães. Esta ideia obtusa de que os cães nos veêm como outros cães leva a imensos mal entendimentos. Muitos cães que desenvolvem comportamentos agressivos que poderiam ser facilmente ultrapassados, pioram o seu comportamento porque aos donos lhes é dito que têm um cão que os domina e quer mandar neles. Isto torna o ambiente em casa extremamente estressante e os donos acabam por viver em constante conflito mental e físico com aquele que podia ser o seu companheiro e amigo e que agora é apenas um animal que luta por uma hierarquia que nem existe.
Infelizmente este mito etológico é típico de treinadores com pouco ou nenhum conhecimento da ciência da aprendizagem e comportamento canino e como tal baseiam-se em falácias que servem para justificar todo e qualquer comportamento e que são fáceis de repetir de uma pessoa para a outra sem necessitarem de explicações mais lógicas.
9. Em seu blog (http://caosciencia.blogspot.com), você reforça muito a questão de maus tratos aos animais. Quais são os casos mais comuns que ocorrem, e como isto pode ser resolvido?
Infelizmente maus tratos aos cães, vão ocorrer sempre em todo o lado. Em Portugal a lei é ineficaz em proteger os cães de mais tratos e abandono e não existe nenhuma consequência para o mau trato de um animal seja este feito em público ou não. Julgo que umas das formas de combater este mal da nossa sociedade é começar pela educação. As crianças na escola devem ter a oportunidade de descobrir a responsabilidade inerente a educar e criar um cão ou gato. É importante que eles entendam que são seres vivos sencientes e como tal as suas necessidades devem ser respeitadas e parte de nos satisfazer as suas necessidades de bem-estar.
Este trabalho de educação deveria também partir de todos os que trabalham no mundo da cinofilia tais como criadores, lojistas em lojas de animais, treinadores, veterinários, groomers, etc.. Todos os que lidam com cães e gatos, devem fazer um esforço conjunto na reeducação da população e no ensino das crianças da mensagem tão importante que é o mau trato de animais é inaceitável.
O cenário mais comum em Portugal prende-se com o abandono e com prenderem cães a correntes, subjugando-os a uma vida de prisão doméstica, onde muitos acabam por morrer sem nunca terem tido a oportunidade de ver o que está para lá de uma corrente de 3 metros. Enquanto as pessoas não entenderem que um cão tem necessidades que vão muito além de comer e beber, esta “paisagem” continuará a ser comum neste país.
10. Você poderia contar algum caso interessante que já ocorreu com algum cão ou dono?
Uma treinadora amiga minha começou a praticar com o seu Pug a posição deita e fica enquanto fazia ginástica em sua casa. Ela fazia 1h de exercícios e ia recompensando o cão por ficar deitado enquanto ela se exercitava. Uma vez eu estava em casa dela no jardim, a Karen estava a falar dos exercícios que fazia para melhorar a postura e os problemas que tinha nas costas, ela levantou-se para exemplificar e quando demos conta, o pequeno Pug dela estava deitado à frente dela a oferecer um belo deita e fica (já agora...).
11. Quais os maiores erros que os donos cometem com os seus respectivos cães?
Um grande erro é adquirirem cães compulsivamente e sem investigar aquilo que realmente procuram. Encontro mais do que muitas vezes pares completamente inadequados, cães extremamente enérgicos a viverem em casas de pessoas que gostam de estar em casa sossegados, cães medrosos em casa de pessoas que gostam de passear muito e levar os cães a todo o lado, cães grandes com pessoas que não gostam de limpar pelo e acabam por colocar o cão lá fora “porque assim não suja”, etc..
Os preconceitos que existem em relação a certas raças leva a que muitas pessoas procurem determinadas raças sem saberem exactamente aquilo que vão realmente encontrar, e quando descobrem o resultado é normalmente desastroso. Julgo que se as pessoas procurassem mais saber a realidade de cada cão, passear alguns das raças que lhes interessam, fugirem de descrições antropomórficas e procurarem conselhos de pessoas que realmente lhes possam objectivamente descrever os cães, muitos desastres seriam evitados.
Mas sem dúvida o maior erro de todos prende-se com a pouca ou nenhuma socialização dada aos cães quando são novos. Muitos donos de cães, para não dizer a grande maioria, isola os cachorros durante as idades dos 2 meses até aos 5/6 meses, criando assim um cão medroso e não socializado, e um potencial concorrente ao desenvolvimento de problemas no seu comportamento. Os donos dos cães deveriam focar-se mais na tarefa de socializar os seus cachorros nas idades críticas de forma a evitarem problemas no futuro.
12. Quais as vantagens de ter um cão adestrado em casa? E as desvantagens?
Eu sou da opinião que todos os cães deveriam ser treinados - com métodos positivos. Um cão treinado em casa, é um que mantém um relacionamento saudável com o seu dono. Ambos conseguem comunicar um com o outro muito mais eficaz e fluentemente. Normalmente um cão treinado está ciente das regras que existem em casa e o dono está ciente de que estas têm que existir para que a sua convivência seja balançeada e saudável.
Quando treinamos os nossos cães, não estamos apenas a ensinar o significado de palavras como senta ou deita, mas também a aprender a interpretar os nossos cães. Estamos também a criar ótimas oportunidades de liderarmos os nossos cães quando estes mais precisam, ou seja, na rua por exemplo se o cão se assusta com algo, o dono pode pedir um “senta e olha para mim” dessa forma dando um comportamento alternativo ao cão e tornando-se para o mesmo alguém em quem ele se pode focar e confiar, um porto seguro.
As desvantagens prendem-se somente com o tipo de treino. Se um cão fôr treinado com métodos aversivos ou à base de castigos, pode desenvolver uma série de problemas comportamentais graves, como agressão ou medos exarcebados e isso pode levar ao desenvolvimento de um ambiente em casa detrimental na vez de positivo.
13. Que dicas você daria pra quem pretende ser adestrador? É complicado viver dessa profissão?
A principal dica seria procurar bem e informar-se bem acerca de cursos. Instrua-se de forma adequada, um bom profissional deverá ter formação teórica e experiência prática. Ambas se complementam. Pesquisem a net, mas aprendam a ser críticos e questionar se o que estão a ler é válido. Validem a vossa informação junto de cursos que tenham como base a ciência que é a realmente a única que nos dá as repostas válidas para o que procuramos. Acima de tudo esteja preparado para estudar muito e sempre porque o treino e comportamento canino estão em constante mutação conforme estudos novos vão saindo.
Não é fácil viver desta profissão. Exige muita paciência e especialmente exige que o treinador seja um excelente comunicador, bom ouvinte e goste de pessoas tanto quanto gosta de cães. Os donos dos cães veêm sempre para as aulas, eles são os principais alunos e é a eles que devemos perder tempo com explicações e a responder todas as questões mesmo que possam parecer repetitivas e ter tempo para ouvir as histórias dos seus cães. Se você perde a paciência rapidamente com as pessoas, então esta profissão não é adequada.
14. Se quiser comentar mais alguma coisa, esteja à vontade!
Fico feliz pela bela idéia desta entrevista. Muitas vezes me fazem estas perguntas e assim é uma forma agradável de transmitir alguma da minha experiência aos outros, para que possam ponderar sobre o que é um treinador de cães, o que é o treino canino e se realmente é algo o qual devem verdadeiramente considerar.
Muito boa a entrevista!
ResponderExcluir;)
ResponderExcluirFantástica a entrevista.
ResponderExcluirGostei muito desta entrevista, da forma como foram feitas as perguntas e das respostas bem amplas. Parabéns.
ResponderExcluirMuito boa a entrevista!
ResponderExcluirParabéns!
Obrigada!
ResponderExcluirParabéns pela entrevista.
ResponderExcluirObrigada pela visitinha.
bjs e lambidelas do kiko
Oii! Obrigada! :p
ResponderExcluirSara, parabéns pela iniciativa, gostei bastante!
ResponderExcluirBeijo
Obrigada Xará!!!!
ResponderExcluirGostei muito de ler o seu blog, realmente, conteúdo precioso esse!!!
ResponderExcluirposso adicionar seu blog como favorito no meu? estou procurando blogs assim para acompanhar!
Olá Marina, adiciona sim! Obrigada pela visita!
ResponderExcluirExiste curso para adestrador de cachorro ?
ResponderExcluirse tiver me passa o sait ou fone
e gostei da entrevista!
Olá, existe curso sim. Você pode entrar em contato com algum dos anunciantes aqui do site. Dá uma olhada no Links Patrocinados.
ResponderExcluir;)